— Ela está acordando.
A voz profunda de Garm, mesmo baixa, se destacou na quietude da floresta.
A neblina fina que se erguia do solo úmido misturava-se com o cheiro de folhas molhadas e um resquício distante de fuma?a, um lembrete persistente do que havia sido deixado para trás.
O grande lobo, sua pelagem negra salpicada de cinzas secas, manteve-se atento, seus olhos brilhando na penumbra.
Lucia cruzou os bra?os, observando com cautela a jovem ruiva que ainda respirava pesadamente no ch?o.
— Ela n?o vai me atacar, né? — perguntou a garota, inclinando levemente o corpo para frente, como se estudasse uma criatura prestes a reagir.
— N?o. A Eva n?o é assim — respondeu Garm, a voz carregando uma calma inabalável. — Deve ser a única pessoa normal que conhe?o.
Lucia bufou imediatamente.
— Ei! Eu sou normal também!
O lobo soltou uma risada curta, um som estranho vindo dele. Mas logo cessou, pois um grunhido rouco se ergueu no ar.
O corpo de Eva tensionou-se subitamente, como um fio esticado ao máximo.
Seus olhos se abriram em um estalo, movendo-se rápido, tentando processar onde estava.
— Merda… — murmurou ela, a respira??o ofegante.
O instinto assumiu antes da raz?o.
Com um salto ágil, Eva se ergueu, rolando para longe de onde estava. Seu corpo reagia antes de sua mente compreender a situa??o.
Seus olhos analisaram o ambiente rapidamente, seu cora??o martelando no peito. Sem esperar resposta, agarrando a primeira coisa que viu, pegou uma pedra e assumiu uma postura de ataque.
— Onde eu t?? Quem é você?! Conselheiro Garm?
O lobo rapidamente se colocou entre as duas garotas, sua imensa silhueta escurecendo parte da luz que se infiltrava entre as folhas.
— Calma, pequena — seu tom era paciente, mas inegociável. — Essa é a Lucia. — acrescentou, com um leve movimento do focinho em dire??o à menina. — N?o é uma inimiga.
Lucia, que até ent?o apenas observava, caminhou hesitante para o lado da pata do lobo, sua presen?a mais contida do que o normal.
“Só um pouco mais velha que eu!”, pensou enquanto analisava a jovem ruiva, agora acordada, à sua frente. Por fim acenou de forma breve, quase mecanica, seus olhos evitando contato direto com Eva.
A ruiva franziu o cenho, a confus?o ainda nítida.
— Lu... cia? — repetiu, tentando encaixar o nome na memória desorganizada. — A aprendiz da rainha?
Lucia piscou.
E ent?o... ficou completamente vermelha.
— A Ana me apresentou como aprendiz?
Seu tom saiu mais alto do que pretendia, com um inesperado toque de orgulho presente em seu tom.
A ideia de que Ana falava dela para os outros fez sua mente girar por um segundo.
Mas sua express?o logo mudou.
A empolga??o deu lugar a uma carranca emburrada, como se sua própria rea??o a tivesse irritado.
— Mais que isso — acrescentou Garm, com um tom de voz mais leve. — Ela disse que você é a melhor manipuladora de mana que conhece. Mesmo na sua idade.
A jovem abriu a boca para responder, olhou para Garm, olhou para Eva, mas fechou novamente, sem emitir som algum.
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Seu corpo tensionou-se visivelmente, e, em um movimento brusco, virou-se de costas, resmungando palavras inaudíveis com um tom rabugento.
Foi sentar-se sob uma árvore, cruzando os bra?os, o olhar perdido na escurid?o da floresta.
Garm suspirou pesadamente.
— O que tá acontecendo? — perguntou Eva, ainda confusa, esfregando a têmpora como se tentasse organizar os próprios pensamentos. — A última coisa que lembro foi aquela mulher estranha invadindo o sal?o real…
— Bom… Quando eu entrei, você já estava desmaiada. Mas a Jasmim foi derrotada também.
— Jasmim? — Os olhos de Eva brilharam brevemente com surpresa. — A irm? da Ana?
— Sim, mas n?o acabou aí. Invadiram o castelo — Garm continuou. — Ent?o trouxe vocês duas para fora.
Eva passou a m?o na testa, respirando fundo.
— E por que ela tá assim? — perguntou, sua aten??o se voltando para Lucia, que continuava de costas para os dois, as pernas dobradas contra o peito.
O lobo n?o respondeu de imediato. Ent?o, com um tom direto, mas sem crueldade, explicou.
— A Ana matou o namorado dela.
— Ele n?o era meu namorado! — gritou Lucia, de longe. Porém, apesar da nega??o fervorosa, ela desviou o olhar imediatamente para o ch?o, sem convic??o. — Mas ela n?o precisava matar ele… — murmurou, sua voz quase inaudível agora.
Garm a encarou de cima.
Seus olhos escuros estavam impassíveis.
— Aquele garoto fedia da mesma forma que a mulher caída. Você está se fazendo de cega.
Lucia se virou bruscamente, a raiva transparecendo em sua voz:
— Você virou um chato agora que come?ou a falar!
Apesar de rosnar, a fúria da garota desapareceu rápido demais.
Após um breve momento, voltou a se encolher, cruzando os bra?os novamente e enterrando o rosto nos joelhos.
A situa??o era sufocante.
Eva viu tudo acontecer, sem dizer nada no início, mas n?o p?de deixar de soltar um riso curto e nasalado. Largou a pedra de sua m?o e, sem pressa, se sentou em outra árvore, seus olhos observando o céu entre as copas das árvores.
— De que adianta voltar? — perguntou de repente.
Podia ver a fuma?a ainda subindo no horizonte.
Insídia queimava.
— Encontraremos algo lá?
Havia algo sombrio e pensativo em suas palavras, e Garm n?o respondeu de imediato. Ele também olhou para a fuma?a que se dissipava lentamente no céu.
E ent?o, deitou-se, suas patas se cruzando sobre a terra úmida.
— N?o sei.
Foi uma resposta sincera.
O silêncio voltou.
Apenas o som do vento balan?ando os galhos preenchia o espa?o entre eles.
— Ana seguiu com o Renovatio… — murmurou Garm.
Eva fechou os olhos lentamente, soltando um suspiro profundo.
— Foi o que imaginei…
A conselheira ruiva nunca concordou totalmente com aquele plano, mas sabia que, se Ana o ativou, n?o foi sem raz?o.
Seus dedos se apertaram levemente contra a terra fria, pensativa.
O cansa?o pesava em seus ombros.
Nenhum deles queria admitir, mas, naquela noite, estavam sem rumo.
Finalmente, Garm quebrou o silêncio.
— Vamos esperar a fuma?a baixar.
Sem mais animo para continuar, se preparou para adormecer.
— Amanh? veremos o que restou.
O peito do grande animal estava subindo e descendo em um ritmo lento.
Mas a sonolência durou apenas um momento.
Um segundo de descanso.
Um erro.
Seus olhos se arregalaram subitamente.
Seus músculos se tensionaram como a?o, e suas orelhas ficaram em pé, captando um som quase imperceptível.
Lucia e Eva n?o perceberam a mudan?a de imediato.
Mas ent?o, ele se moveu.
Antes que a amea?a pudesse ser compreendida, se jogou para frente, o corpo massivo cobrindo ambas as garotas.
— Fiquem abaixadas! — rosnou ele, a urgência em sua voz soando como um trov?o.
E ent?o veio o som real.
Agudo. Penetrante. Um assobio cortante no ar.
Algo rápido.
Rápido demais.
Eva ergueu a cabe?a no reflexo. Lucia mal teve tempo de piscar.
O tempo desacelerou.
E ent?o, a dor.
N?o para elas.
Para ele.
O impacto foi instantaneo.
A carne se rasgou antes mesmo que o som da destrui??o pudesse ecoar.
O corpo de Garm tremeu violentamente, mas ele n?o caiu.
Sua for?a descomunal ainda sustentava seu próprio peso para que n?o esmagasse as garotas que protegia, mesmo com a cortina de sangue que explodiu no ar, espalhando-se como uma rajada escarlate pelo ch?o, pela grama, pela pele das garotas.
Lucia sentiu o líquido quente salpicar seu rosto, e seu cora??o disparou em panico, batendo contra o peito como se tentasse escapar de dentro dela.
Mas nada podia ser feito.
A floresta, de repente, parecia muito, muito mais fria.
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